#1 Siga comigo na trilha da bruxaria ctônica
Te convoco para uma jornada de imersão nos mistérios e saberes do ctonismo
Em um tempo distante, templos, cavernas, grutas e cantos escuros de bosques da Itália e da Península Balcânica foram consagrados a forças sombrias que regiam os mistérios que rondam a vida mortal, causando arrepios, temor, curiosidade e desejo. Esses deuses e deusas possuíam domínios que atravessavam a morte, o parto, o desenvolvimento oculto das plantas e a sexualidade selvagem que corria livre entre as matas e os costumes dos povos que viviam próximos às zonas rurais. Embora essas divindades fizessem parte da religiosidade das cidades mais desenvolvidas, era nas zonas periféricas e selvagens que encontravam liberdade para serem invocadas com veemência por aqueles que as adoravam.
Em qualquer época da história, nunca houve uma civilização tão hegemônica que não contasse entre os seus cidadãos mais polidos um mortal audacioso, afinado com o mundo obscuro e secreto da morte, das sombras e do que está além da vida na superfície. Os modestos costumes que sobreviveram por séculos chegaram de forma singela a este novo tempo. Gestos, ritos, crenças folclóricas e costumes daqueles que, distantes ou fora dos muros da pólis, reverenciavam divindades retratadas como ctônicas no teatro ático.
É a partir dessa memória, dos registros e das citações da palavra "ctônico" (χθόνιος) em tragédias como Eumênides, Coéforas, Antígona, Hécuba, As Bacantes e outras, que o linguista francês Pierre Chantraine, uma das maiores autoridades em filologia grega antiga, definiu "ctônico" em sua obra Dictionnaire Étymologique de la Langue Grecque: Histoire des Mots como uma palavra de caráter quase exclusivamente poético, usada para se referir a divindades associadas ao submundo ou aos locais onde eram reverenciadas na Chóra (ambiente rural), como cavernas, pântanos e a própria terra (poeira e substrato).
Sua definição traz enormes contribuições para a disseminação do uso da palavra "ctônico" ao referenciar divindades helênicas cujas características e aspectos estão predominantemente ligados ao obscuro. Essas divindades são frequentemente invocadas no teatro em pedidos de vingança, justiça, ritos fúnebres e conexões com os mortos.
O ctonismo tornou-se um conceito que abrange estudos sobre essas divindades, ganhando popularidade dentro da bruxaria por meio do culto à soberana das bruxas, Hécate, a deusa que introduziu o culto a divindades obscuras helênicas em covens e tradições de bruxaria. Assim, o culto às divindades ctônicas se inseriu nas práticas de bruxaria, sejam elas solitárias ou coletivas, abrangendo e reverenciando outras divindades que, ao longo das décadas, passaram a ocupar cada vez mais espaço no meio pagão. Entre elas: Perséfone, Dioniso, Ártemis, Deméter, Hades, além de entidades, ninfas e daimons ctônicos.
É comum pensar que a conexão e a introdução do culto a essas divindades na bruxaria ocorreram por meio de vertentes do paganismo helênico, como o reconstrucionismo. No entanto, é importante entender que esse movimento é recente, tendo ganhado força e fundamentação na década de 1990. Anteriormente, muitos bruxos e bruxas já citavam em suas obras o envolvimento ritualístico e espiritual com divindades helênicas e ctônicas. Raven Grimassi, em seu livro Bruxaria Hereditária, ao traçar uma ligação entre a bruxaria tradicional, a Itália e a Strega, menciona celebrações dedicadas às deusas Perséfone e Deméter, além de práticas revividas da Grécia e Roma antigas, como os Lares, espíritos domésticos aos quais se dedicavam pequenos templos dentro das casas.
Dessa forma, a bruxaria ctônica nasce essencialmente dentro do vasto espectro do que entendemos ser a bruxaria, sem necessariamente ter uma ligação direta com o movimento reconstrucionista helênico.
A bruxa ctônica caminha hoje pela floresta, guiada pela lua que adorna o manto de Nix. Ela se orienta pelos antigos deuses e deusas ctônicas, conectando-se à natureza não apenas em sua face luminosa, mas sobretudo em sua obscuridade. Essa visão a distingue de outras vertentes da bruxaria natural, ao dar protagonismo e veemência aos poderes ocultos da terra: a morte, o poder de decomposição e transformação da matéria, as relações entre os elementos e o processo cíclico de finitude e renascimento que permeia todo o universo. Embora uma força orgânica, os nuances, matizes e tonalidades da bruxaria ctônica abarcam uma paleta sombria presente nos escombros de Gaia, entre a vegetação verde que esconde cogumelos, fungos, ossos, vísceras, plantas venenosas, tubérculos, uma vasta gama de pedras e cristais, e tantos outros mistérios do corpo terrestre.
A bruxa ctônica, portanto, é aquela que, mais do que tentar reproduzir exatamente como era o passado, busca criar um elo entre esse passado e o presente. Ela compreende que a morte e o obscuro merecem relevância em um mundo que, a todo custo, tenta ignorar seus mistérios, forçando a humanidade a viver somente na luz — a mesma luz que alimenta o frenético e opressor sistema capitalista ao qual estamos submetidos.
Ignorar a escuridão é um projeto que nos condiciona a buscar uma felicidade inalcançável, desenhada por aqueles que detêm o poder. É como a narrativa que ouvimos desde crianças: a porta estreita dos escolhidos, a ascensão rumo à perfeição absoluta e patriarcal. Esse ideal nos desconecta da realidade que nos cerca.
Quando a bruxa ctônica nos chama, ela nos convida a adentrar a floresta escura de nosso ser, a pactuar com os aspectos obscuros de quem somos, integrando nossas luzes e sombras. Nessa floresta, somos desafiados a encarar nossos medos e traumas, descobrindo preciosidades enterradas ao longo de uma vida moldada por crenças que prometem uma perfeição ililusória.
Quando atendemos ao chamado da bruxa ctônica, rompemos gradualmente com a proposta de nos enterrar vivos em uma existência medíocre. Paradoxalmente, aproximar-se da morte e desistir de escalar o arranha-céu do paraíso nos conduz de volta à vida. Essa é a bruxaria ctônica: uma vertente que nos convida a viver em harmonia, equilibrando luz e sombra, guiados por espíritos ancestrais e divindades ctônicas.
Viver a bruxaria ctônica é sair do enterramento para o enraizamento: uma existência fundamentada em raízes profundas, nutridoras e sustentadoras, buscando na natureza — dentro e fora de nós — o extraordinário que reside no simples ato de existir.
Vamos juntas nessa trilha? 👇🏽
Conheci o seu perfil há alguns meses — e ouso dizer que isto ocorreu em um momento onde clamei por respostas.
Sempre vivi em meio as sombras do meu próprio passado e de todos os acontecimentos ruins que passaram pela minha vida. Nunca soube reconhecer a mim mesma e compreender o meu eu dentro de tantas questões que ainda me assombravam.
Há quase um ano iniciei o meu trajeto na bruxaria e trilho um caminho ctônico mesmo antes de sequer reconhecê-lo. Minha falecida avó, uma mulher negra, me preparou desde muito nova para esse caminho, dentro de muitas "simpatias" e crenças em Orixás, a liberdade entre aceitar ou não as minhas próprias sombras sempre foi algo que ela muito temeu, mas a escolha me foi dada e depois de um longo tempo decidi seguir esse caminho.
Mesmo que faça pouco tempo que admiti e aceitei o chamado, ele sempre esteve ali por mim desde que me entendo como um ser pensante.
E hoje, após assinar o seu newsletter — graças a Hermes que me ajudou financeiramente nestes últimos tempos, hihi.
Eu gostaria de agradecê-la profundamente, Obsidiyana.
Suas postagens me tornaram menos solitária neste caminho, as suas sábias palavras sempre chegavam pontualmente em dias onde o lado mais frágil e ainda tão imaturo se tornava presente em minha vida e trazia de volta medos nos quais ainda luto diariamente para combater.
Tinha minha infância raptada, cresci em meio a incertezas e precisei amadurecer rápido demais para não ser engolida pelo mundo em que vivemos. E em meio a tudo isso, sempre senti que havia uma pequena sombra que me acompanhava e não me permitia a ficar sozinha em meio a escuridão, sempre sendo a minha guia.
Então eu a agradeço de verdade, pois foi com as suas palavras que eu aprendi que a minha vida foi como uma semente no solo lutando para germinar e agora, compreendendo todo o processo, posso florescer e talvez em breve, dar e colher o primeiro fruto.
Obrigada por você nos fornecer o conhecimento para nos tornarmos maduras, em meio a este caminho tão solitário e necessário.