Aqui jaz
Uma bruxa cansada de estar em lugares desconfortáveis demais para o próprio ritmo. Essa semana eu fiz algo que gostaria há muito tempo: o plano funerário da minha avó.
Sempre considerei importante ritos funerários e acho que o mundo fala muito pouco sobre coisas que realmente são necessárias de serem ditas. É estranho que a nossa única certeza seja evitada a todo custo nas conversas, como se fôssemos atrai-la. Depois que a minha avó ficou internada no ano passado, passei a pensar na necessidade de fazer um plano que assegurasse não só um lugar de descanso para ela após a morte, mas um seguro que pudesse garantir a confortabilidade das pessoas que eu amo, para que eu possa ajuda-los a enfrentar o luto enquanto estiver passando por isso junto com eles. Perséfone me acordou no meio da noite para responder o Ray (meu agente funerário) e fazer isso de uma vez por todas. Deu tudo certo, embora tivesse demorado mais do que gostaria, pois ao pedir os dados da minha avó para a minha prima ela ficou alguns dias em completo silêncio, e ao invés de me passa-los foi assustada até a minha mãe falar sobre o meu interesse em fazer o plano. Foi a minha Deméter que passou os dados da minha avó, me contando que a prima chegou agoniada, uma vez que desde criança eu pressinto a morte das pessoas, fato conhecido por todos da minha família. Deixei claro que não havia sentido nem sonhado com algo que remetesse a isso(…). E ao longo dos dias o plano funerário me gerou uma certa agonia, uma sensação estranha, ansiedade, um relemexo no estômago, essa decisão agitou algo dentro de mim de forma que passei a tentar descobrir a razão do desconforto.
Foi assim que percebi que chegamos a um limite. O mundo anda tão agitado e frenético que se faz necessário ter uma sepultura antes da hora derradeira. O plano me fez perceber que eu estava incomodada em não ter um lugar antagonista ao ritmo do mundo antes de sair dele, eu queria um lugar inspirador e literário que me fizesse parar e repensar no que realmente é precioso, um lugar onde o tempo do mundo não funcionasse e onde a minha escrita pudesse ir para o mundo enquanto descansa, sem a expectativa de engajamento ou a necessidade de corresponder ao algoritmo. Minhas palavras queriam a paz poética de um cemitério e uma lápide só pra si, uma tumba em lugar mais tranquilo, silencioso, sem a agitação ruidosa das redes sociais. E por isso esse lugar passou a existir, pois passou a fazer sentido ter uma sepultura digital e literária onde pudesse velar as minhas palavras e reflexões sobre morrer e viver como bruxa pagã. São justamente em lugares mórbidos como cemitérios ou em cerimônias fúnebres que os seres humanos param no tempo para refletir sobre viver e morrer, sobre amar e sobre existir. Eu já estive em diferentes espaços digitais, mas nunca um criado com a principal finalidade de enterrar palavras. Esse é um lugar controverso, porque enquanto as minhas palavras se sentem a vontade para apreciar a própria morte, elas tem a possibilidade de serem preservadas. Eu percebi que o plano funerário me fez notar que eu queria acima de tudo um lugar para ser revisitada, para ser lida em pequenas doses, um desejo primitivo de ser lembrada, pois não há sofrimento mais angustiante para um morta adepta do culto helênico do que ser esquecida. O sacerdócio me fez pensar na minha própria morte antes de experiencia-la e eu queria um canto onde pudesse colocar um ou muitos epitáfios que formassem meu memorial; e não seria o instagram, o reino cumulativo e insustentável, onde os conteúdos de cima são os mais quentes e os de baixo são os mortos que choram, esquecidos nas margens do Aqueronte, sem o óbolos do like. O instagram é a superfície, eu estava buscando um elíseos na terra, consegui esse terreno na expectativa de se tornar um. Não é possível controlar quantas palavras são enterradas a cada ciclo e quais delas decidem ressurgir na lápide como epitáfios, é muito variável a frequência de velórios, estará aberto 24h por dia, o que chega por aqui, quando e como? as moiras quem sabem. Como anfitriã eu aguardo. Sobre você... esse pode ser um bom lugar para se dar o prazer de ser uma bruxa estranha e cansada, que busca um espaço confortável para refletir sobre a vida e a morte.
Acho incrível e concordo com a sua opinião sobre a morte, é algo que chega pra todos, não tem o porque temer.
Inclusive, você fazer o plano de sua avó, me lembrou uma conversa que tive com minha mãe sobre no como faríamos nosso velório, como gostaríamos de ser lembradas, sepultada e sinceramente? Foi um momento de tristeza e alegria, contemplemos e agradecemos o dia de hoje de podermos estarmos vivas e juntas, mas não também não temos medo de quando a hora chegar, pois sabemos que independente de tudo, sempre vamos escolher uma a outra.
Agradeço por suas palavras, e lhe desejo muita sorte nessa jornada nova, lhe acompanharei de qualquer forma, muito obrigado.
Suas palavras trazem a tona muitos sentimentos obscuros profundos que não conseguem aplausos num mundo raso.
Estarei velando suas palavras.