Contos e lendas se espalharam na Europa a respeito de minha reputação demoníaca. Próximo da chegada do outono, mudava de tonalidade, adquirindo uma característica cada vez mais sombria, preta, tendo muitas das minhas irmãs apodrecido. O diabo vagava buscando-me e, ao encontrar minhas bagas, cuspia-lhes com sua língua profana, tornando-me venenosa e enegrecida. A partir daí, pertencia ao clã das bruxas e criaturas sombrias do lore.
Sussurram por aí que Lúcifer e eu tenhamos uma ligação antiga e profunda, pois seu primeiro contato com a mortalidade se deu ao tombar do reino dos céus e cair em meus arbustos. Ah, mas eu estava também na crucificação, pois dizem que os espinhos dilacerantes do meu corpo marcaram a cabeça de Cristo, escorrendo um sangue puro do rebelde que se misturava à tonalidade do néctar que escorre do meu fruto. Portanto, sendo verdade ou não tais lendas, sou profana — e não me importo em ser —, pois confio no meu poder que carrega um rastro histórico de muitas curas: de picadas de serpentes perigosas, tratamentos para frágeis crianças e para aquelas que se encontravam em trabalho de parto. Eu e as bruxas temos muito em comum, pois minhas funções terapêuticas foram demonizadas, dada a minha apresentação peculiar e obscura.
Isso não inibiu que eu fosse uma forte e poderosa aliada na proteção. Dos meus espinhos foram feitos muitos amuletos, que eram colocados em portas de casas, celeiros, quintais e jardins — o que impede a passagem de espíritos malignos em qualquer lugar. Nos túmulos suspeitos eu estive presente, inibindo o levantar da tumba de possíveis vampiros e criaturas que poderiam perturbar a ordem de vilas inteiras. Sempre fui eficiente para afastar convidados não queridos, e propícia para evocar a bênção e a prosperidade do lar.
No fim do outono, o diabo caminha entre os pomares com seu manto das trevas e, com isso, nos torna suas servas — mas é bem possível que, dada a audácia das feiticeiras, das bruxas e hereges, nesta época surja uma infinidade de receitas com meu uso. Entre os espinhos cortantes, encontro-me doce e sombrio; é possível sentir o cheiro frutado intenso que carrega um toque de acidez, notas que remetem ao açúcar queimado — perfeito para o feitio de uma compota. No forno fumegante, a bruxa prepara a torta de amora, e na casa se espalha o aroma de mistério, sensualidade e heresia, exalando aspectos da personalidade de uma poderosa entidade feminina que, por seu charme, audácia, senso de humor levemente ácido e grandes poderes, provoca a desconfiança dos vizinhos. Eu mesma, a poderosa e temida da floresta escura, com seus lábios arroxeados e cabelos negros. Eu mesma, ainda hoje, a aliada daquelas que buscam, através da magia, evocar meus poderes.
Amora-Preta
Nome científico: Rubus fruticosus
Gênero: Feminino
Planeta: Vênus
Elemento: Água
Aroma: Frutado intenso
Uso mágico: Proteção, banimento, prosperidade, dinheiro, sorte para casais, afastar inveja, poder pessoal e autoconfiança.
Com amor e heresia, Obsi
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Nunca tinha pensado na amora-preta como um símbolo de mistério, de sensualidade e até de heresia, e to simplesmente encantada!
Deu vontade.