A solidão de ser devota de Perséfone é um requisito, e não apenas um estado de espírito
Uma parte do sacrifício para tornar-se rainha do próprio submundo
Não importa quantas pessoas queridas estejam ao nosso redor. Um vácuo ou sentimento de vazio nos acompanha, e, por boa parte da vida, consideramos isso um problema, uma maldição, a sequela de um trauma não resolvido. Uma chaga não curada, um abandono que marcou nossas vidas com tamanha intensidade que jamais poderá ser preenchido. Saudade daquilo que mal conseguimos descrever com exatidão. Uma memória desfocada que revela o sentimento de que falta algo para nos completar.
Quem carrega a marca do rapto, da foice, da alma persefonéica possui, em seu âmago e espírito, uma melancolia mal compreendida, seja pelo mundo, seja por si mesma. A vida de uma rainha, mesmo cercada de pessoas, é solitária—uma dura lição que precisamos aprender ao longo de toda a vida com Perséfone, que tenta nos ensinar a cada desafio.
E, em muitas situações, ela realmente nos faz provar o amargo gosto da solidão, seja em questões de amizade, relacionamento ou família. A transformação de Perséfone não aconteceu com qualquer tipo de apoio nos primeiros instantes. E, como nada com ela é permanente, essa solidão tende a diminuir à medida que adquirimos resiliência para viver com nós mesmas e com nossos demônios, sem precisar depositar no outro a necessidade de ocupar um espaço em nossa vida para suprir nossas carências.
Quando leio as páginas do meu próprio livro dedicado a Perséfone, sempre me emociono ao pensar que precisei caminhar sozinha com ela, sem encontrar qualquer espaço ou local que pudesse me preencher ou abarcar a complexidade de sentimentos que prestar devoção a ela me causava. Nada me cabia ou me comportava, até que me conformei que precisaria construir uma relação com ela a partir de todo esse material que ela me passava, como retribuição a cada dor e desafio que enfrentava na vida. A devoção real e profunda a Perséfone é uma construção impossível de ser minuciosamente mapeada—é uma perdição dentro de si mesma, ao mesmo tempo que é um encontro consigo. Nada do que comecei me preparou para o grande mistério que essa deusa representa e é até hoje em minha vida, mas tudo o que aprendi e aprendo é subproduto desse mergulho nas minhas próprias vísceras.
O mundo vira de ponta-cabeça em uma via tortuosa, onde, quando precisamos de ajuda ou orientação, ela simplesmente diz: "Se foda, e você aprenderá." O princípio é a ação; nossa confiança é forjada com sangue, suor, lágrimas e frequentes olhares para o abismo, dentro e fora de nós. O caminho de Perséfone é uma via árdua, de bela apresentação—meiga, sutil, sensível... Ela se apresenta assim muitas vezes em nosso caminho, mas suas lições têm como princípio destruir o óbvio, para que possamos nos reconstruir na merda, nos escombros da nossa própria psique. E isso é solitário.
Por mais que tenhamos com quem conversar, que frequentemos espaços, que recebamos apoio ou qualquer tipo de direcionamento, estar conosco em nós mesmas é uma forma de garantir que, com nossa tendência insuportável à autodepreciação e à diminuição de si, consigamos fazer esse enfrentamento por conta própria.
Ao longo dos anos, acredito ter me tornado uma sacerdotisa que, naturalmente, faz os mesmos movimentos que a deusa causou e causa na minha vida. Pois, muitas vezes, quando eu não queria, me senti impelida a me afastar—até mesmo dos meus iniciados:
"Você não pode defendê-los do próprio abismo. E, se fizer isso, terá que me ressarcir."
O cheiro metálico de sua foice inebriando meus pensamentos, a língua cortante da deusa a conter minha natureza receptiva. Foram anos até que eu entendesse os reais motivos de Perséfone incentivar o isolamento provocado. É uma forma fúnebre de dizer que se importa—que está nos preparando para o resto de uma vida onde seremos raptadas por circunstâncias das quais não temos controle.
Com o passar dos anos, percebi que esses raptos se tornaram mais dinâmicos de serem enfrentados. Minha criatividade diante deles se aguçou, e eu desenvolvi uma maleabilidade para transpor as fases do luto e me refazer. E então, agradeci por ter deixado de ser a jovem garota mimada que sempre precisava de um apoio ou de uma desculpa que a empurrasse para aquilo que deveria ter coragem de enfrentar sozinha.
Hoje, sempre que estou rodeada de pessoas que amo e que me inspiram, justamente nos momentos mais felizes, ouço lá no fundo sua voz ecoante:
"Olhe, observe lentamente cada segundo e aprecie. Tudo isso um dia acabará. Essas pessoas irão morrer. E você também."
A pontada da solidão e do compadecimento por mim e por elas vem sutilmente. Elas me olham como se eu estivesse absorta ou distraída em uma gnose. Vejo seus olhares curiosos para mim. Estou contemplando a vida enquanto os sussurros daquela que traz a morte me fazem recordar que a solidão de ser devota de Perséfone não é um estado de espírito—é um requisito
Minha boca seca ao pensar e reafirmar isso dentro de mim. Mas, de alguma forma, isso me fortalece absurdamente. É quando eu me sinto uma rainha, em um trono edificado num mundo onde a única certeza é de que nada é permanente.
Com amor persefonéico, Obsi
Nossa, Obsi! 🥹🥹🥹 Nunca me senti tão acolhida em um texto. Obrigada! 💖
Texto para ler, reler e reler